Ai que saudade da sensação de colocar a fita para rodar, da preguiça de rebobiná-la à mão, de usar uma caneta para voltá-la ouvindo aquele barulhinho “trec trec” indescritível. Meus dedos coçam só de pensar em palpar o VHS e empurrá-lo na “máquina” que ocupava todo o espaço na estante.
Ai que saudade da máquina de escrever que imprimia em tempo real [risos], de brigar consigo, porque digitou a palavra “cazuza” errado ou no lugar errado rasurando as palavras “umas sobre as outras”, perdendo o papel ofício que terá que amassá-lo para pôr outro no lugar voltando a parte giratória à mão, e começar tudo novamente.
Ai que saudade, do telefone giratório, daquele cinza tradicional, de “queimar a foto”, do preto e branco, de escrever uma carta sem remetente, ou ao menos receber uma que não seja a fatura do cartão, daquela sensação de abrir uma correspondência escrita à mão, sentir o cheiro e ver os pingos na folha quase transparente, a tinta manchada, a foto revelada.
Ai que saudade do cheiro do álcool junto com o medo da avaliação bimestral, de levantar mesmo reclamando para ir tomar banho e simplesmente não poder se negar senão ia dormir com marca vermelha na pele.
Ai que saudade de poder começar tudo novamente, [suspiros], de ser tão prático recomeçar, de voltar, de viver tudo outra vez como em uma fita VHS, de simplesmente poder voltar à mão. Era tudo mais simples e grande, até os móveis pareciam maiores, a casa então, era uma mansão.
Hoje, as coisas estão pequenas, estão saturadas, hoje é necessário comprar “outro novo”, porque o antigo estragou rápido demais. Hoje, as marcas não são mais na pele, mas na alma e não somem mais quando acordamos, ainda estão lá, e lá elas ficam sem poder rebobinar ou recomeçar.
Hoje, tem que compactar tudo, projetar tudo para caber tudo, a mesa é daquelas que levanta e desce rente a parede para não ocupar espaço, tudo tem que estar livre (livre demais), nem bidê tem mais, até o café na mesa não tem mais espaço, nada pode ser preenchido demais. Tudo tem que ser instantâneo até o macarrão, hoje, tem “fast food” e a comida tem que ser congelada feita de uma só vez para guardar em potes para semana toda, até os sentimentos parecem que são guardados em potes, e não mais em corações. Tudo que ocupe espaço de mais é perda de tempo, e perda de tempo ninguém mais pode ter.
As conversas em bares e restaurantes entre amigos ou casais são preenchidas por smartphones de todas as marcas, mas quase todo mundo só quer de uma.
Hoje, só hoje, não tem 120, nem 280 caracteres, hoje é ilimitado com borda recheada e sem filtro. Hoje, não tem WiFi, conversem entre vocês!